Davi tinha um carinho especial por Letícia e a considerava uma grande amiga, apesar de todos acharem que eles tinham um caso. Ele havia a conhecido quando estudava jornalismo e ela administração, porém Letícia ainda não conseguira um emprego na área.
_ Vamos embora Davi, o Lúcio não está com uma cara boa hoje. Ele vai pegar no nosso pé.
_ Eu não tenho medo do Lúcio. A comida estava maravilhosa, o ambiente agradável e ver a Letícia assim tão empenhada em seu trabalho me faz até esquecer que o nosso chefe é um cara insuportável.
_ Você gosta mesmo da Letícia, né? Me contou pela milésima vez como se conheceram e eu percebo que falas com os olhos brilhando. Deveria pedi-la em namoro.
_ É Samuel, deveria. Vamos? Lembre-se que o Lúcio tá que tá hoje.
_ Obrigado rapazes - disse Letícia - já está lançado o almoço, tenham uma excelente tarde.
Aquela tarde passou ligeira e logo Davi estava em sua casa. Ele morava em um apartamento em um bairro bastante movimentado de Céu Azul e não tinha muitos amigos por ali. Tomou banho, preparou um lanche, viu TV e logo em sua mente vieram as seguintes palavras:
"Dia que a saudade anda ao lado,
mas não pode ser tocada.
Mesmo perto, ela está longe.
É uma grande cilada,
em outras palavras, uma roubada.
Cortina de vidro, vulnerável".
Davi ficou com aquelas palavras em sua mente e dormiu com um sorriso de canto de boca.
Ao amanhecer, as palavras ainda dançavam dentro de sua cabeça. Ele fez suas atividades rotineiras e foi para o Jornal. Chegando lá, as palavras o perturbava e não aguentando lidar com aquilo, pegou um pedaço de papel e as escreveu.
_ Ora, o que temos aqui, um poeta? Você está querendo uma coluna só de poesias? Passa isso pra cá Davi. Pessoal, atenção! Temos um poeta aqui. Vou ler pra vocês...
_ ...Para Lúcio, não é porque você é meu chefe que pode sair colocando as mãos nas minhas coisas. Me devolve isso agora.
_ Escuta aqui Davi, você só trabalha nesse Jornal porque eu te dei a oportunidade de estagiar. E se eu fosse considerar as suas faltas por estar passando mal, você nem teria conseguido se formar por mal aproveitamento no estágio.
_ Eu sei disso, fico grato Lúcio, mas isso aí é uma coisa pessoal, não tem nada ver com o trabalho. Me devolve, vamos agir como adultos.
Lúcio joga o papel na mesa de Davi e se retira. Samuel, que estava assistindo toda aquela cena, chega perto para dar uma força ao seu amigo.
_ Que o Lúcio é chato eu sabia, mas não imaginava que ele era capaz de fazer uma idiotice dessa. Francamente! E você não me contou que ficou doente quando estagiava.
_ Foi um mal estar Samuca, não se preocupe.Foi logo quando comecei a trabalhar aqui, o Lúcio está exagerando.
_ Olha, ontem você deixou um verso seu jogado aí na mesa, é melhor você não ficar escrevendo poemas aqui. Agora que você sabe que isso incomoda a chefia.
_ Eu não escrevo quando eu quero, eu escrevo quando alma fala.
_ Pelo visto, meu amigo, aqui sua alma vai ter que aprender a ficar em silêncio.
Enquanto isso, no restaurante "Comida dos Sonhos", Letícia estava varrendo o chão do estabelecimento e encontrou um papel caído ao chão, todo amassado.
_ Nossa, mas esse povo joga lixo no chão assim?! Parece que...
Ela abriu sem querer o papel e leu.
"Amei-te com os olhos.
Viajei com o coração para a terra dos sonhos.
Seu olhar penetrante, brilhoso e cheio de vontades
me faz ver a vida com muito mais intensidade"
(D.E)
_Nossa! Que romântico. Veja aqui Kamila, olhe o que eu achei.
_ Me Desculpe Letícia, ontem eu não estava me sentindo bem, por isso não varri o chão direito e...
_ ...Deixa de bobagem. Ontem almoçou um poeta aqui e olha que lindo ele escreveu.
Kamila também ficou encantada com aquele verso quente de amor. Suspirou fundo e disse:
_ Nossa, que romântico mesmo! Quem sabe não é um príncipe encantado que deixou aí para nos tirar dessa vida de labuta?
_ Deixa disso colega, talvez essas iniciais aqui seja até de alguma mulher, o restaurante não atende só homens.
_ É verdade, você tem razão. Você vai jogar fora esse versinho?
_ Num sei, pode ser que alguém procure né. Vou guardar. Se o Antônio ver um papel no chão, você sabe que é confusão na certa. Vou deixar comigo, caso alguém procure você me avisa.
Na redação...
_ Você discutiu com o Davi de novo Lúcio? Isso não vai acabar bem entre vocês dois.
_ Fique tranquila Tereza, foi uma pequena discussão. Tem algo no Davi que me incomoda demais. Aquele olhar frio, triste, medonho e cheio de ódio me faz mal. Vou arrumar um jeito de tirar o Davi daqui do jornal e você vai me ajudar.
_ Eu? Mas Ele não me incomoda em nada. As vezes ele fica viajando na maionese, mas...
_ ...Mas nada Teresa. Olha para isso. É a matéria que pedi pra ele fazer para coluna de Agricultura e ele colocou versos no meio certo do conteúdo. Sorte que eu estou revisando tudo antes de publicar. E se isso tivesse passado desapercebido, teria sido um vexame daqueles. Não é a primeira, segunda e nem a terceira. Eu estou por aqui com ele.
_ Olha, mas mesmo parecendo não ser normal, o Davi já te deu muitos lucros. Fechou parceria com várias empresas que anunciaram no jornal físico e digital, coisas que não são nem da área dele e no mais...
_ ... Chega Tereza, não dá. Vou colocar esse lunático pra fora daqui. Só tenho que agir certo, para que o Moisés Vilar não descubra que por minha causa. O Davi vai dar uma de poeta em outra redação.
_ E como você, digo, nós vamos fazer isso? Já que você está me pedindo, eu não vou negar nada pra você né, Lucinho.
Tereza, foi para mais perto de Lúcio e o puxou pela gravata lhe beijando na boca.
_ Eu tenho já as minhas ideias.
Continua...
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